Reportagens Especiais

No caracol da vida, a grande roda gira

Por Mário Ribeiro*

Compositor de destinos, por ser tão inventivo e parecer contínuo,
o tempo para o quadrilheiro se move numa temporalidade
própria regido pela data do São João. De modo que para isso
ficam guardados em sigilo os preparativos de um processo que
tem início num ano, se põe em marcha e só se realiza no ano
seguinte. Assim, em cada ciclo o São João do quadrilheiro nasce,
morre e renasce de forma ininterrupta. Um ciclo que muitas vezes
penetra no outro de tal forma que nenhum tempo é deixado vazio
e o ano rotineiro seja sempre o ano do São João.
No caracol da vida de uma quadrilha junina, a grande roda gira,
movendo-se (construindo-se) na sucessão ininterrupta de suas
festas anuais, que se distinguem entre si primordialmente pelos
diferentes temas levados pelos grupos aos arraiais.
.
Assim, as quadrilhas, a cada ano, estabelecem redes de
reciprocidade que atravessam diferentes bairros e diferentes grupos
sociais. O São João começa sendo discutido por alguns e se
espraia em círculos concêntricos, agregando em torno de si um
número cada vez maior de pessoas até o momento em que essa
imensa rede aparece nos arraiais para toda a cidade.
Em geral, os grupos se organizam segundo um padrão que é
aproximadamente o mesmo para todos: o anúncio do novo
tema, a elaboração dos desenhos dos figurinos, a escolha das
cores, dos tecidos, dos adereços, seleção musical, montagem da
coreografia, casamento, reuniões, ensaios, sempre obedecendo
a uma seqüência na qual cada elo coloca gradualmente em cena
atores diferenciados, vindos por vezes de meios socioculturais
muito distintos.

 

Os Quadrilheiros

Quem são os quadrilheiros? Qual a importância que a quadrilha tem nas suas vidas? Por que participam desse movimento? O que fazem para colocar na rua um trabalho tão grandioso? São
perguntas que nos vêem à mente quando nos deparamos com centenas de jovens reunidos em grupos nos muitos arraiais espalhados pela cidade, preparados para mostrar o resultado de
meses de trabalho e dedicação.

Os integrantes que fazem parte de uma quadrilha junina, comumente chamados de quadrilheiros, têm origens diversas. Pertencem a diferentes comunidades e níveis sociais. Alguns
trabalham, estudam; outros trabalham e estudam; muitos se encontram desempregados.
Diferentes na cor, no credo, no gênero e na faixa etária, os quadrilheiros encontram no fazer quadrilha, o principal ponto de convergência. Unidos pelos laços de parentesco, compadrio,
amizade e vizinhança, a aproximação entre eles ocorre principalmente durante os ensaios, nas reuniões, onde se instala um clima de intimidade entre os participantes, o que facilita um
maior contato; mesmo sendo de comunidades diferentes.

Fazer parte de uma quadrilha junina é antes de tudo compreendê-la como um espaço onde um grupo de pessoas tão diferentes entre si, mas ao mesmo tempo tão parecidas, brinca e se diverte,
reconhece a si e aos outros, desenvolve aptidões e encontra nos seus pares um estímulo para caminhar por trilhas muitas vezes tortuosas. Para quem observa o grupo de fora, não percebe de imediato a complexidade da trama que envolve a construção de uma quadrilha junina; não percebe a mobilização de pessoas e a importância que atribuem em todas as etapas desse sistema em processo de realização. Só um olhar mais aguçado é capaz de perceber que, simbolicamente, vivenciar uma quadrilha é criar, recriar, preencher de sabedoria e arte o cotidiano daqueles
que fazem; é compartilhar descobertas, angústias, aflições, alegrias, tristezas, enfim, sentimentos que compõem o ato de se relacionar, de estar em conjunto.

Nas sedes, nos galpões, nas escolas, nas casas dos representantes ou até mesmo na rua, os encontros que se iniciam semanais e terminam diários, fortalecem o vínculo entre os integrantes da quadrilha. Segundo Menezes “é o lugar onde comungam
símbolos, valores e experiências, conhecem e reconhecem pessoas, utilizam vocabulário, datas e eventos particulares, recriam uma identidade peculiar com relações embasadas na
cooperação, amizade e lealdade”.

* Mário Ribeiro é Historiador e Professor da Universidade de Pernambuco (UPE)

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